DEVANEIOS NOTURNO: DITONGOS ABERTOS
Muito mais difícil que adaptar-se ao novo é desapegar-se do velho. O novo,
ainda que com todas as naturais resistências do estranhamento, chega com o
sabor do desafio, do inusitado, da experimentação. O velho demora a
desapegar-se. Está impregnado: no cheiro, no olhar, na alma. Há uma lembrança
do velho a cada instante, em cada canto. A dificuldade de dissociar-se do velho
talvez deva-se ao fato de que ele nunca definitivamente se vá. Fique ali,
recluso, adormecido, latente (talvez), inesquecível (certamente). Mas é a
partir do velho que constroem-se as histórias de vida; é a partir dele que
criam-se as resistências, as fortalezas e alguma (apenas alguma) imunidade. A lembrança
do velho é por vezes dilacerante, porque desfia até o que é isento de carne.
Mas é igualmente cicatrizante, porque reedifica o espírito. O novo, recebe-se
com os braços abertos da razão. Ao velho, agarra-se ferozmente com as garras do
coração.
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